Como vimos no capítulo II, a produção de música popular instrumental na cidade do Rio de Janeiro vem desde, pelo menos, o século XIX, na forma de valsas, polcas, tangos brasileiros, quadrilhas, maxixes, schottisch, mazurcas etc., (gêneros formadores de um gênero instrumental por excelência: o choro).
O samba foi se tornando o gênero musical popular mais representativo de uma “identidade brasileira” a partir da década de 30, com o governo Getúlio Vargas. Sabemos que o samba é um gênero musical que tem como característica ser associado a um texto (música com letra); sabemos também que muitos músicos de choro trabalharam com o samba, e empregavam recursos sofisticados do ponto de vista musical, tais como trechos instrumentais em introduções, interlúdios, poslúdios e codas, além de modulações, contrapontos e variações sobre o tema principal.
Não havia problema quanto aos arranjos de músicas de outros compositores; porém, quando compunham suas músicas instrumentais,faziam choros, valsas, etc. Havia um possível preconceito, já que por algum tempo o samba foi considerado marginal, associado às classes menos favorecidas da sociedade, compostas por negros e mestiços descendentes de escravos. Fica claro que, apesar da importância adquirida com o tempo, o samba poderia ainda ser visto com certo preconceito por muitos músicos, mesmo aqueles que trabalhavam diretamente com ele, fosse em gravações ou em programas de radio das décadas de 30, 40 e 50. Segundo Elisabete Travassos (2000):
“Esse preconceito existia por parte de alguns “músicos eruditos” que tinham receio de que seus nomes vinculados à música popular os desqualificassem no meio restrito e exigente da música de concerto e, devido a esse fato, compositores utilizavam pseudônimos quando compunham obras populares: como Francisco Mignone era Chico Bororó, Radamés Gnattali era Vero e Guerra-Peixe ora assinava Célio Rocha ora Jean Kelson. ”
Sobre a relação entre samba e choro relata Pixinguinha em entrevista ao Museu da Imagem e do Som: “Samba é com o João da Baiana. Eu não era do samba. Eles faziam seus sambas lá no quintal, eu os meus choros na sala de visitas. Às vezes, eu ia ao terreiro fazer contracanto com a flauta, mas não entendia nada de samba.” Esse tipo de opinião era comum entre os chorões antigos:
“Para tocar choro o músico tem que estudar mesmo, o choro é mais difícil que o samba, tecnicamente é muito superior.” (Daudeth de Azevedo)
“Você não precisa ser músico para fazer um samba, você pode ser só cantor, isso é uma diferença importante, aliás, fundamental. (..) é mais fácil um chorão tocar samba que um sambista tocar choro, sem a menor dúvida. Choro é uma música muito difícil.” (Álvaro Carrilho)
“O choro propicia mais habilidade, mais variações e modulações mais ricas que no samba você concebe. (...) É sem dúvida uma música mais rica em polifonia, em modulações... O instrumentista fica muito mais livres para modular, para criar frases bonitas, porque é puramente instrumental. No samba, como se associa a uma letra, ele fica muito mais comum. Embora ele possa ser muito bonito, é mais comum. O choro não, o choro é mais uma música do instrumentista, onde ele tem mais possibilidades. Talvez por isso o grande chorão pouco escreve samba. (Nicanor Teixeira).
Alguns pesquisadores consideram que em meados de 1950, alguns artistas buscavam uma saída para certa música abolerada, imposta pelos meios de comunicação; e, apoiados pelas lojas de discos, aproximaram-se do novo estilo que estava se formando nos Estados Unidos, o cool jazz. Com características quase camerísticas –– suavidade, pausas, contraponto e harmonização sutil ––, o cool jazz se impôs, nos anos 50, procurando se distanciar do modo nervoso do estilo bebop. Porém, o próprio Tom Jobim (que foi aluno de Radamés Gnattali) negava essa influência, confessando que, na verdade, sua obra bebeu muito mais nas harmonias chopinianas do que no jazz. João Gilberto, certa vez pediu que chamassem a sua música de samba e não de bossa nova.
Segundo Roberto Menescal, em entrevista a Almir Chediak, o principal caminho aberto pela bossa nova foi o canal para a juventude universitária.
“Ninguém na faculdade podia ser músico. Tinha que ser engenheiro, médico, etc. Você era músico ou era doutor. O que fizemos foi falar na linguagem deles. E a música começou a ganhar universitários, como o próprio Tom, o Carlinhos Lyra, o Edu, o Ivan Lins e o Chico, que vieram depois, e outros mais. (Roberto Menescal)
A essa juventude não agradava o sentimentalismo rasgado das letras de samba canção, e isso também seria mudado. As letras se tornaram mais refinadas, e permitiam até bom humor.
Enquanto a bossa nova ascendia no gosto popular, outros gêneros foram se sufocando, e a maioria dos músicos que não se adequou ao novo estilo, ou saiu do país ou mudou de profissão. Álvaro Carrilho,em entrevista a Nelson Caiado, falando sobre a bossa nova, disse:
“A bossa nova tinha coisas bonitas, boas melodias, boa harmonia, algumas letras ótimas. Nós mesmos tocamos em shows Wave, A Felicidade e algumas músicas. Agora, sobre certos aspectos, quem não se enquadrou naquilo ficou meio marginalizado. Por isso muita gente saiu daqui. A discriminação que houve com a música que não era bossa nova trouxe um prejuízo para a música brasileira. Um bom exemplo foi o que aconteceu com meu irmão. Altamiro passou um cinco anos fora do Brasil, de 1965 a 1970 mais ou menos. Saiu pra sobreviver, porque não havia mais mercado para o choro. Naquela época só se ouvia bossa nova.
Apesar da música popular no Rio de Janeiro ter o violão como primeiro par, especialmente o choro e o samba, não são muitos os exemplos de compositores que editaram sambas, arranjados ou compostos originalmente para violão solo. Nomes significativos do violão brasileiro, tais como: Garoto (xxxx), Laurinho de Almeida (1917 – 1995), Dilermando Reis (1916-1977) e Luiz Bonfá (1922-2001) citar outros... fazem parte desse pequeno grupo de compositores e arranjadores, mas não compuseram ou fizeram arranjo de muitos sambas; e dos que fizeram a maioria possui letra,alguns com parceria de letristas.Uma figura que se destacou pela constância de composições no gênero samba veio do choro: trata-se do compositor/violonista Baden Powell (1937-2000).
Grande parte de seu trabalho gravado é composto de sambas com letras, composições próprias ou de outros autores, porém executadas e gravadas instrumentalmente, algumas interpretadas sem o acompanhamento de outros músicos.
O violonista e professor Nelson Caiado, em sua dissertação de mestrado, Samba, música instrumental e o violão de Badem Powell,RJ,2001, declara que sua pesquisa foi motivada a partir da audição do disco Baden Powell à vontade ( ELENCO,1963) quarto disco solo do compositor, cuja tônica predominante é o gênero samba executado instrumentalmente. Cita a obra “Samba Triste” (Baden Powell / Billy Blanco) por ter sido interpretada tendo o violão como figura única, Nelson chama a atenção para o fato de que o Samba Triste foi composto por Baden Powell antes de ele conhecer Billy Blanco, e para a inclusão da obra no primeiro disco do violonista: Apresentando Baden Powell e seu violão, conforme declarações do próprio autor.
(DREYFUS,Dominique.O violão vadio de Badem Powell.SP,Editora 34,ano:1999)
Nelson segue indagando quantas composições no gênero executadas dessa maneira ou concebidas para violão solo são conhecidas. Cita o pequeno número de seis obras: “Lamentos do Morro”, “Gente Humilde” e “Duas Contas” (compostas por Garoto (1915 – 1955) apelido de Aníbal Augusto Sardinha) e três composições de Radamés Gnattali (1906 – 1988) Toccata em Ritmo de Samba nº. 1”, “Toccata em Ritmo de Samba nº. 2” e “Dança Brasileira”, compostas respectivamente em 1950,1981 e 1985. E conclui:
“Assim, mesmo se tornando o gênero musical que mais expressava uma identidade brasileira, talvez o samba fosse considerado como um gênero musical “menor” em relação a outros”(...) Por essa linha de raciocínio, esse possível preconceito devia-se muito mais a aspectos históricos sociais que propriamente musicais já que os arranjos dos sambas identificados, tanto nas gravações quanto nas partituras encontradas, demonstravam ser musicalmente elaborados(...)
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